Parte 1
Deus estabelece na criação várias instituições para a ordem social, cada qual com sua própria esfera de atividade e missão, e responsável por algo diante dele. Mas, antes de considerarmos a posição reformada sobre a relação da igreja com o estado, será útil compará-la com outros modelos políticos e teológicos rivais.
Ao tratar-se de modelos políticos, fala-se de espectro político, que é o conjunto de posições políticas representadas em um país ou localidade. A classificação das correntes políticas geralmente se faz através da sua localização em um ou mais eixos, cada um representando um aspecto da política. Isso é representado pelo diagrama abaixo, que mostra onde está situada uma pessoa, um partido político ou um governo no que diz respeito à sua ideologia política.[39]
Um primeiro modelo político é apresentado no gráfico abaixo, que ilustra as ênfases estatizantes e intervencionistas associadas à posição esquerdista, como no comunismo e no nazismo. Nesse modelo, há pouca ou nenhuma liberdade pessoal e nenhuma liberdade econômica. O estado ou partido ganha uma dimensão transcendente, agindo para estender seu domínio ideológico sobre todas as esferas da sociedade:
O estatismo é o cerne do esquerdismo, não a mera ausência de eleições livres e “democracia”. Portanto, em última instância, tanto o comunismo como o nazismo são socialismos, sendo o primeiro um socialismo de classe e internacional, e o segundo um socialismo étnico e nacionalista.[40]
Um segundo modelo é ilustrado no gráfico abaixo, que resume os ideários políticos associados à posição direitista, em que se privilegia a liberdade pessoal e econômica, e a garantia dos direitos individuais, sendo os limites o respeito à vida, à propriedade e à liberdade dos demais:
Os dois primeiros gráficos delineiam os dois principais lados em disputa no espectro político, especial
mente desde antes da II Guerra Mundial, mas que se tornaram proeminentes no Pós-Guerra. Obviamente, há várias gradações partidárias entre a esquerda e a direita. À esquerda podem ser associados o comunismo, o socialismo e o nazismo. A centro-esquerda, a social-democracia, também conhecida como a “terceira via”, e a centro-direita são consideradas de centro. O conservadorismo, o liberalismo econômico — que defende a liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia — e o libertarianismo são associados à direita. Como ficará mais claro abaixo, nenhuma dessas correntes políticas pode ser associada à posição reformada, baseada na Escritura.
O gráfico abaixo ilustra as percepções de cristãos influenciados pelo fundamentalismo americano, que se tornou um dos principais modelos de relação com a sociedade entre os evangélicos no século XX. A partir desse modelo, defendia-se não somente uma separação do Estado, mas também uma separação de outras esferas da criação, percebendo-as como essencialmente pecaminosas e impedidas de qualquer possibilidade de redenção:
Como visto anteriormente, a visão reformada da sociedade não se centraliza no indivíduo nem na instituição, mas na soberania de Deus sobre as esferas da criação, nas quais diferentes instituições estão debaixo do reinado de Deus. Essa posição destaca que “todos os homens vivem numa rede de relacionamentos divinamente ordenada.” Nesse sentido, “as pessoas não encontram sentido ou propósito quer em sua própria individualidade, quer como parte de um todo coletivo.” Na verdade, “elas atendem a seus chamados dentro de uma pluralidade de associações comunais, como família, escola e Estado”, portanto “Deus ordenou cada uma dessas esferas de atividade como parte da ordem original. Juntas, elas constituem a comunidade da vida.”[41]
O gráfico a seguir esboça essa posição:
Nessa posição, a família, o indivíduo e a igreja são esferas independentes, pois existem a despeito do Estado, derivando sua autoridade somente de Deus. O papel do Estado é mediador, intervindo quando as diferentes esferas entram em conflito entre si ou para defender os fracos contra abusos de poder.
39. Gráficos adaptados de Greg Johnson, O mundo de acordo com Deus. São Paulo, Vida, 2006, p. 93,94 (usados com permissão da Editora Vida), Espectro político, http://pt.wikipedia.org/wiki/Espectro_político e “Espectropolítico”, O capitalista: vida, liberdade, propriedade, htttp://www.ocapitalista.com/2007/12/espectro-poltico.html, acessados em 27 de abril de 2010.
40. Para uma introdução à conceituação da esquerda aqui adotada, cf., por exemplo, Alain Besançon, A infelicidade do século. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2000, Jonah Goldberg, Fascismo de esquerda. Rio de Janeiro, Record, 2009 e Czeslaw Milosz, Mente cativa. São Paulo, Novo Século, 2010. Para uma crítica ao marxismo e ao nazismo como cosmovisões rivais da fé cristã, cf., por exemplo, Alister McGrath, Apologética cristã no século XXI. São Paulo, Vida, 2008, p. 272-279 e Franklin Ferreira, “A Igreja Confessional Alemã e a ‘Disputa pela Igreja’ (1933-1937)”, Fides Reformata, v. 15, n. 1 (2010), p. 9-36. Cf. também os textos de Thomas Schirrmacher: “Four Problems with Germany’s Re-unification”, Contra Mundum, http://www.contra-mundum.org/schirrmacher/probreun.html, “The Myth of the End of Communism”, Contra Mundum, http://www.contra-mundum.org/schirrmacher/mythcomm.html e “National Socialism as Religion”, Chalcedon Report 1992, http://ww.contra-mundum.org/schirrmacher/NS_Religion.pdf.
41. Gordon Spykman, “The principled pluralistic position”, em Gary Scott Smith (ed.), God and Politics: Four Views on the Reformation of Civil Government. Phillipsburg, NJ, Presbyterian and Reformed, 1989, p. 79, citado em Greg Johnson, O mundo de acordo com Deus, p. 93.
Fonte: Voltemos ao Evangelho.
Parte 2 - Amanhã.