Nova lei não agrada a classe e pode favorecer a Pirataria Editorial
O assunto é polêmico e o governo deve enviar em breve para análise do Congresso Nacional uma proposta com alterações na Lei de Direitos Autorais (Lei 9610/98). A informação é da Presidente da Comissão de Cultura, Deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que participou de seminário nesse mês para discutir o assunto. A deputada informou ainda que já tramitam na comissão oito projetos propondo alterações na legislação atual. No mês passado, foi sancionada a lei que estabelece novas regras para a gestão coletiva de direitos autorais (Lei 12.853/13). O texto é oriundo de projeto de lei aprovado pela Câmara em julho e relatado por Jandira Feghali. A discussão atinge seu auge quando é citado a palavra internet. De um lado, os provedores que defendem a liberdade de expressão. De outro, associações, editores, escritores e principalmente a classe editorial reclamam que não há regulamentação que proteja as produções e publicações de sua divulgação indiscriminada na internet.
Para o Diretor Executivo da Associação dos Editores Cristãos (ASEC), Reiner Lorenz, a Lei de Direitos Autorais não favorecerá a muitos. Ele declara: "Não haverá incentivo para compor uma obra, com isso a qualidade editorial diminuirá e consequentemente o leitor perderá a apreciação pela leitura e pelo livro. Isso sem contar a pirataria, que é um problema sério e está bem longe de ser resolvido. Hoje temos vários sites que publicam na íntegra os livros mais vendidos no Brasil. Isso é muito fácil de se encontrar, porém nossa justiça é lenta. Uma obra literária é uma relíquia. É o bem mais importante que uma pessoa pode produzir. É a essência da escrita, do ensino, da educação que alguém pode deixar registrado e isso está muito exposto atualmente. Estima-se hoje que o mercado editorial brasileiro perde mais de 1 bilhão de reais por ano por causa da pirataria do livro. Este número foi levantado por meio do consumo médio de cópias não autorizadas, realizado anualmente pelos alunos dos cursos superiores. É um prejuízo expressivo e que tem resultado no fechamento de inúmeras editoras que se especializavam em livros técnicos e didáticos, notadamente da área das ciências humanas, o que acarreta desemprego de centenas de profissionais, tais como autores, ilustradores, designers, tradutores, revisores, agentes literários, empregados das áreas administrativas e de apoio, livreiros e todos aqueles que operam a extensa cadeia da produção, distribuição e comercialização de livros. A pirataria editorial é responsável, também, por um outro quadro problemático: as pequenas tiragens dos livros no Brasil. Este fato indica a estagnação do mercado leitor no país, fato que contribui para o aumento do custo do livro. Enquanto as tiragens e o número de vendas de livros praticamente estacionaram, as cópias desses mesmos livros aumentam. Tudo isto se traduz em pouca procura para gerar e publicar conteúdos, o que acabará resultando numa possível interrupção do processo de disseminação do conhecimento", lamenta.
Na opinião de Jader Terual, que é Gerente Comercial dos Ministérios RBC Brasil, os efeitos da nova lei inicialmente serão discretos, porém a longo prazo será possível notar os efeitos positivos e negativos. Ele lembra: "O aumento do percentual a ser pago a artistas, como cantores e compositores, trará com certeza novos nomes ao mercado e uma melhora na qualidade, e isso será positivo. Já os aspectos adotados para as obras literárias não nos agradou, acredito que tudo aquilo que de alguma forma facilita a "Pirataria Editorial" deve ser revisto, e neste ponto os efeitos serão muito negativos. Existirão prejuízos dentro de todas os níveis do processo editorial. Se pensarmos nas possibilidades de impunidade que a nova lei abriu, será fácil piratear, principalmente no formato digital. No caso dos livros cristãos, não precisa procurar muito, uma visita aos famosos centros de venda de material "gospel" responderá essa pergunta com facilidade. Desde cópias idênticas feitas de forma clandestina, layouts idênticos com o intuito de confundir o consumidor a livros assinados por autores que não gastaram um minuto sequer para escrever aquelas palavras, inclusive, em alguns casos, com o aval de "Editoras". Em relação aos direitos autorais, não vejo eles serem prejudicados, por exemplo, pelos livros digitais, mas sim por nossa falta de estrutura para lidar com esse novo "universo de vendas" que surge. Algumas opções interessantes têm surgido, como plataformas de controle terceirizadas e mecanismos eletrônicos para defesas das obras". Teruel ainda lembra que, no ano de 2010, a editora cristã foi pioneira em ter todos os itens do catálogo disponíveis de forma digital nos maiores portais do Brasil e ter parceria com uma plataforma secular de distribuição de livros digitais.
Em recente matéria, escrita por Luis Oswaldo Grossman para o Uol falando sobre o seminário que aconteceu sobre o assunto, ele aponta justamente o fator estrutura e adequação de legislação como um grande desafio para a eficácia da nova lei. Escreveu: "Enquanto o Ministério da Cultura elabora a proposta de uma nova lei sobre os direitos autorais, segue um recado importante para os estrategistas: as regras sobre os direitos de autor precisam levar em conta as novas tecnologias, em especial a internet, e as práticas adotadas pela sociedade. Do contrário, pode não ter efeito prático"."É importante adequar a legislação, porque a lei em vigor é obsoleta. Mas ela tem que se adaptar às novas tecnologias e ao que é aceito pela sociedade”, sintetizou o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, Pedro Paranaguá. Não foi o único. O Secretário de Políticas de Informática do Ministério de Ciência e Tecnologia, Antenor Correa, também ressaltou a necessidade de cautela: “Ao tratar de questões de direito do autor em tempos de internet, o Brasil precisa atentar que a Internet é mundial na hora de fazer regras locais”.Algumas premissas básicas, no entanto, foram destacadas durante o debate. Espera-se que a lei garanta, pelo menos, três pontos: a garantia de uma remuneração ao autor, que essa remuneração chegue efetivamente a ele, e a criação de alguma organização coletiva, mas que não repita erros como os do ECAD.
Procurado pela jornalista da ASEC, Whaner Endo, docente do curso de produção editorial e jornalismo da Anhembi Morumbi e Publisher na empresa W4 Editora, acrescentou: "A lei tem que ser modernizada, afinal a cultura mudou. O Creative Commons e o Copyright Left são conceitos válidos. Agora, devemos preservar o direito autoral, de forma a não enfraquecer uma indústria importante na matriz cultural. Mesmo assim, os editores devem estar atentos à essas transformações em seu modelo de negócios. Em relação aos livros digitais, acho que o DRM não é a melhor forma de combater a pirataria, nem se for o DRM social. As coisas ainda estão nubladas... digo tanto no ambiente corporativo quanto acadêmico. Não sabemos como trabalhar ainda com este novo modelo de negócios". Como opções para diminuir o risco da pirataria, Whaner destaca: "o preço do livro é uma forma de reduzir a pirataria. Educação é outro caminho certo pra diminuir os problemas e, por último, acredito que alguns livros possam ser compartilhados para que o autor se torne mais conhecido e, com isso, sua base de leitores seja maior, o que traria benefícios para ele e para a editora", conclui.
Quem já passou pela experiência de ser pirateado e pior, no mercado evangélico, pode falar apropriadamente sobre o assunto, como foi o caso do Pastor Ciro Zibordi, autor do best seller "Erros que os adoradores devem evitar" (CPAD). Em recente artigo publicado em seu blog, o pastor lembrou o povo de Deus acerca do pecado inerente à essa atividade. Ele foi vítima do crime e contou numa matéria da Revista Cristianismo Hoje: "Basta digitar o nome do meu livro no buscador Google e observar a profusão de links disponibilizando cópias ilegais de minhas obras...". Zibordi esgota todos os argumentos legais e bíblicos sobre o assunto. "Quem irá contradizer tal ensinamento? Que tipo de crente cometeria um crime, ou seja, pecaria, com o objetivo de obter um livro de ensinamentos cristãos? Pois pasmém os leitores, no fórum do artigo não foram poucos os evangélicos se manifestando em favor desta prática insidiosa!".
Como não poderia deixar de ser, o artigo gerou muita polêmica e, agora, desperta em alguns blogueiros conhecidos o desejo de por adiante uma campanha no sentido de livrar, ao menos a web cristã, dessa praga que não poderia ter lugar, jamais, em nosso meio. Entre os que se manifestaram a favor da pirataria, contamos alguns sinceros enganados, mas a maioria apresentou justificativas descabidas, como interpretações equivocadas do artigo 184 do Código Penal, dando conta de que o crime não está em fazer cópias, mas na obtenção do lucro. Há quem aponte o elevado preço dos livros, reivindique o direito de acesso à educação e até combata o comércio de obras baseadas na Palavra de Deus. Claramente, a lei não descriminaliza a cópia sem o objetivo de lucro, mas tão somente penaliza mais quem obtém dividendos sobre a propriedade de terceiros. Portanto, em todos os casos, cópia não autorizada de obra alheia, salvo as que jazem em domínio público, é crime, e pronto. O direito fundamental ao acesso à educação tampouco justifica a pirataria – ora, a saúde também é fundamental, mas não se vê crentes saqueando farmácias.
A discussão é tão complexa que teve cobrança dos editores no primeiro dia da Bienal do Livro, no Rio de Janeiro. A presidente do Sindicato Nacional de Editores de Livros (SNEL), Sônia Jardim, fez um discurso em que cobrou o governo sobre a nova Lei de Direitos Autorais e a proibição de biografias não autorizadas. "Defendemos que a nova Lei de Direitos Autorais proteja o autor, não permitindo a cópia integral ou grandes trechos dos livros, sob pena de não incentivar a produção intelectual brasileira. Os provedores de internet devem continuar acatando notificações extrajudiciais para tirar do ar conteúdo que viole os direitos autorais. Nossa justiça não tem agilidade para combater a pirataria na internet".
Na presença da Ministra da Cultura, Sônia reclamou ainda do problema das biografias proibidas por biografados ou seus herdeiros, tema de algumas mesas da Bienal do Rio. O projeto de lei 393/2011, do Deputado Newton Lima (PT-SP), na fila para ser votado na Câmara, quer liberá-las. A presidente do SNEL falou que "desde 1983, o Brasil deu um "passo atrás" nesse assunto. Grandes e importantes histórias estão deixando de ser escritas, prejudicando o conhecimento das futuras gerações. Elas devem ter acesso ao nosso passado", afirmou Sônia.A Ministra da Cultura, Marta Suplicy, não respondeu sobre as biografias. Disse no entanto concordar que o autor precisa ser protegido pela nova Lei de Direitos Autorais, mas "não se pode ignorar a internet". "Temos clareza que o autor precisa ser protegido, mas quem ignorar a internet vai ficar no século passado. Como autora de nove livros, entendo essa reivindicação. Temos que ver essa questão com um pé no século 21. O Ministério da Cultura tem clareza sobre a importância da decisão que for tomar", afirmou Marta.
Diante do apoio de alguns e das considerações contrárias de outros, muito se tem a conhecer e pensar sobre os "Direitos Autorais" nos próximos anos. A Lei 12.853, que organiza a nova gestão de direitos autorais no país e define as condições de cobrança, arrecadação e distribuição de recursos pagos por direitos autorais, entra em vigor em menos de120 dias. A legislação, aprovada pelo Congresso em Julho, foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff e publicada no Diário Oficial da União no dia 15 de Setembro de 2013.