Realizado numa casa de eventos onde ocorrem as festas mais badaladas da elite local, o jantar proporcionou aos convidados uma realidade que nem de longe beira a deles: mesa farta, som instrumental ao vivo e apresentações artísticas.
No cardápio, o tradicional chester (treze aves), perniz, arroz à grega, farofa de banana da terra, prato de frios e frutas frescas, além de sobremesa (mousse de maracujá). Um saxofonista criava um ambiente agradável para a atividade alimentar.
Os convidados tiveram direito também a banho antes do evento e receberam presentes diversos (sobretudo roupas e calçados) e material de higiene pessoal.
Por ser promovido por uma instituição religiosa evangélica, a Igreja Batista da Cidade, não foi oferecido no jantar bebida alcoólica, o que gerou reclamação de "boca de ouvido" por parte de alguns convidados.
Coro
O jantar começou bastante animado, com uma banda que tocava sucessos do mundo gospel, como "Faz um milagre em mim", de Regis Danese.
O refrão "Entra na minha casa, entra na minha vida" foi acompanhado por muitos convidados, que se disseram encantados com apresentações teatrais sobre a trajetória de Jesus Cristo.
Nem todos, contudo, assistiam pacientes. José Silva, 53, não se aguentou e atravessou o salão para pegar uma maçã disposta à mesa, tendo ele devorado a fruta quase de uma bocada só, sob o olhar atento dos colegas.
O anúncio de que o jantar seria servido fez um dos convidados gritar "é vem o faz-me rir". Outros bateram palmas, davam risadas mais sinceras e gesticulavam. José Silva, apesar da pressa inicial, ficou acanhado quando o alimento foi posto.
Cerca de 250 pessoas se alternavam para bem servir e recepcionar os convidados, alguns deles também idosos do abrigo Casa Lar Terceira Idade, que em seus oito anos de fundação participava pela primeira vez de algo semelhante.
"Nunca tivemos uma oportunidade como esta. Foi a primeira vez que saímos da instituição, todos estamos muito felizes de estar aqui", comentou a coordenadora do abrigo, Ana Cristina de Oliveira.
Inédito
De passagem pela cidade, o casal de andarilhos Thiago Ramos Correia e Samantha dos Santos, ambos de 27 anos, se disse surpreso com o jantar.
"Nos procuraram na praça onde estamos dormindo, no centro da cidade, e aceitamos o convite. Já passei por vários locais do Brasil e nunca vi algo igual", relatou Thiago, que dorme com sua companheira numa barraca de camping.
O casal se conheceu há dois meses em Niteroi (RJ). Thiago encontrou Samantha sozinha na rua e a convidou para ir embora com ele.
Mãe de quatro filhos e cansada de apanhar do ex-marido, com quem vivera por quatro anos e tinha se separado recentemente, ela não pensou duas vezes na proposta do desconhecido. Eles vivem da venda de artesanato feito com latinhas de refrigerante e cerveja.
"Para nós é muito bom estar aqui, pois conhecemos mais as pessoas e mostramos também que não somos bicho do mato. Só temos nosso estilo de vida, que é diferente do da maioria", afirmou Samatha.
Também morador de rua, Carlos Eduardo Souza Silva, 23, disse que estava aproveitando a época para se divertir com os amigos: "Amanhã [esta terça-feira, 23] já tenho outro jantar, o dos católicos. Vamos colar lá também. Gosto da época do Natal por causa disso, sempre tem gente que nos ajuda".
Doações
Segundo a organização do evento, batizado de "A simplicidade do Natal", o jantar teve custo total de R$ 22 mil, "tudo fruto de doação", informou o médico Gleydson Cerqueira, responsável pela coordenação.
"Até o aluguel da casa de eventos, que custa R$ 10 mil, sem o bufê, nos foi doado. Contamos com a ajuda de ao menos cem pessoas, entre membros da igreja e empresários que se sensibilizaram com a nossa causa", declarou Cerqueira.
O pastor da Igreja Batista da Cidade, Sinvaldo Queiroz, comentou que a instituição realiza durante o ano outras atividades de caridade, atendendo a 353 crianças com material escolar e calçados, e assiste a 400 pessoas por semana em hospitais públicos.
"Em 2014 fizemos algo parecido com este ano, só que com garotas de programa. Buscamos atender públicos que geralmente são invisíveis para a sociedade", disse Queiroz.
O pastor destacou que o local do evento "é elitizado", e ao ser perguntado se o valor das doações não daria para fazer um trabalho para mais pessoas com organização mais modesta, disse que estava "socializando a riqueza".
"No reino de Deus ninguém recebe tão pouco que não possa repartir", filosofou.
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